depoimentos

Pedro Wood

Conheci Nico em setembro de 1999, quando fui levar ao seu apartamento, que ficava na Rua Gastão Baiana, em Copacabana, um baixo Wood Master 6 para que fosse testado por ele e para conversarmos a respeito de ele voltar a usar um baixo Wood. Já havíamos conversado por telefone e marcado essa visita. Na ocasião Nico tinha a alguns anos contrato com a Yamaha e teve nesse período, segundo me relatou, uns 5 ou 6 baixos Yamaha TRB-6 e TRB-6P. Nico já havia tido 2 baixos Wood antes, um de 5 e outro de 6 cordas, ainda de uma época de construção artesanal do instrumento antes de 1997, quando foi fundada a Wood Instrumentos Musicais Ltda. O Wood Master 6 que ele experimentou já era um instrumento de um outro nível, fabricado em série, com um padrão de construção definido, acabamento muito superior aos instrumentos Wood artesanais, tecnologia de ponta no hardware e na parte elétrica e alto grau de exigência no controle de qualidade. Nico pegou o baixo e, após experimentá-lo em seu equipamento, topou na hora a volta às origens. Além da qualidade do instrumento Nico tinha uma história com a marca e era um entusiasta de sua filosofia, a de só usar madeiras brasileiras em sua confecção. As características do baixo se adequavam perfeitamente ao seu estilo: um timbre limpo, definido e brilhante, que o possibilitava chegar facilmente no timbre que quisesse com pequenos ajustes em seu pré externo Sansamp. Curiosamente Nico não era adepto do uso do prés internos em seus baixos, preferindo equalizar seu timbre no pré externo e fazer alterações timbrais imediatas com sua pegada, simplesmente movimentando mais para o braço ou mais para a ponte sua mão direita. Muitos devem lembrar do Nico com um baixo que tinha um adesivo do Teco na parte frontal. Aquele baixo, usados nos anos 90, era seu Wood artesanal de 6 cordas, anterior à sua mudança para a Yamaha, e o adesivo foi colocado para cobrir os buracos do que anteriormente era o pré do baixo, que passou a funcionar apenas com um botão de volume. Tudo o que Nico precisava, segundo ele, era de um bom baixo de 6 cordas bem regulado com um botão de volume. O pré dos Yamaha TRB-6 jamais saía da posição flat, e colocar o pré flat foi a primeira coisa que ele fez ao tocar no Wood Master 6. Em princípio ele adorou a pegada e o timbre do baixo, bem mais limpo e definido do que o do TRB, o que para ele era perfeito principalmente para gravar e possibilitava a adição de mais frequências sem que o timbre saturasse. Aquele Wood Master 6 passou a ser seu baixo de uso regular a partir de então, tendo sido seu último baixo.

Quando não estava na Wood, em Vila Velha, ES, eu normalmente estava no consultório odontológico que tinha na Rua Miguel Lemos, em Copacabana, que fica ao lado da Rua Gastão Baiana, o que possibilitou várias idas minhas ao apartamento do Nico – e algumas poucas visitas dele ao meu consultório – simplesmente para bater papo em inícios de tarde. Os papos, que começaram com os detalhes do contrato dele com a Wood, evoluíram para os inúmeros “causos” que Nico contava de suas viagens e de suas experiências musicais. Impressionante como ele sempre tinha uma história curiosa ou uma dica boa de gravação ou de técnica para dar, o que fazia com que as horas passassem rápido. A facilidade com que ele passeava pelo braço do instrumento e tirava o som que queria simplesmente movendo a mão direita era inacreditável para quem não estivesse vendo. Nico não entendia muito da parte técnica do instrumento em si (captadores, prés, etc), talvez por nunca ter precisado. Com qualquer instrumento sempre foi plugar, tocar e sempre chegar no som de Nico Assumpção com 3 ou 4 ajustes pequenos no pré Sansamp. Em certa ocasião ele contou que durante uma turnê nos USA com um artista brasileiro conhecido precisou que um luthier local desse uma ajustada no tensor do seu Wood por conta de variações de temperatura e umidade. Nico tocou no baixo para mostrar os problemas, deixou-o e foi dar uma volta. Ao retornar encontrou o baixo com a parte elétrica toda desmontada e o luthier tentando descobrir de onde saíra todo aquele som. Qual era a mágica daquele baixo? Como esse baixo tinha um pré artesanal de 3 bandas fabricado no Brasil o luthier copiou todas as suas especificações do pré. Mal sabia ele que a mágica não estava no pré e em nenhum outro componente do baixo, mas sim no músico que tocava o instrumento. O som que ele escutara era o som do Nico Assumpção, não o som do baixo. O fato foi que Nico teve que ir dar outra volta até que seu baixo fosse montado novamente.

No final de 1999 Nico ligou para a Wood se queixando que eventualmente captava transmissões de radiofrequência em casa (havia torres de transmissão muito perto de onde ele morava) e que andava tendo problemas com ruídos para tocar no Mistura Fina. Por sugestão de algum amigo “entendedor” encomendamos à EMG um par de captadores EMG 45DC para ele experimentar no lugar dos EMG 45J originais do modelo Master 6. Os EMG 45J são captadores com bobina single coil e os 45DC são humbuckers ativos com muita saída e timbre mais encorpado e menos definido do que os J, que supostamente estariam sendo a causa do problema “por serem singles”, segundo o “entendedor”. Após a troca os DC não duraram 24h no baixo. Nico voltou já no dia seguinte implorando urgência na volta dos J porque os DC acabaram com o timbre que ele gostava. Os ruídos no Mistura Fina se deviam ao aterramento deficiente da casa. Não havia muito o que fazer no instrumento para solucionar isso. Já as transmissões de radiofrequência continuaram aparecendo eventualmente no seu amplificador por conta da tecnologia usada no seu equipamento como um todo e possivelmente continuaria mesmo com os captadores DC, mas ele parou de se incomodar com isso depois de o timbre que ele gostava ter sumido com a troca de captadores.

Uma brincadeira que ele gostava de fazer em seu apartamento quando eu ia lá era a de deixar cair uma moeda no chão e dizer a nota que ela fazia soar. A moeda caía e ele dizia “C#!” ou coisa parecida. Por vezes ficava com o baixo e ao cair da moeda ele ia rapidamente na nota para depois dizer qual era. Em algumas vezes fazia um acorde pois dizia que havia harmônicos no som da moeda. Eu sinceramente não tinha um ouvido com alcance suficiente para discordar dos harmônicos da moeda ou dos acordes, mas impressionava como ele fazia isso facilmente e de forma convincente.

Nico era entusiasta dos computadores Macintosh. Ele mesmo fazia e mantinha seu site e fazia questão de dizer que tudo era feito nos Macintosh. Era época de lançamento do combo Imac e ele o recomendava a todos. Outra coisa que o entusiasmava era o fato de poder usar um baixo brasileiro feito somente com madeiras brasileiras. Ele tinha muito orgulho disso. Nico contava que Vinny Fodera andava lhe telefonando e insistindo para que ele largasse a Yamaha e passasse a usar os baixos Fodera. Nico dizia que não via razão para isso, já que em época de dólar alto os baixos Fodera eram inatingíveis para os músicos brasileiros de modo geral, coisa que passou a ser também o caso dos Yamaha TRB quando o dólar disparou em 1999, e ele se preocupava com o fato de as pessoas poderem comprar o baixo que ele usava. Em minha segunda visita ao apartamento da Gastão Baiana presenciei o que Nico disse ter sido o último telefonema do Vinny Fodera para ele tentando convencê-lo. Nico informou educadamente que já não estava mais com a Yamaha e que voltaria a usar os baixos de uma marca brasileira que usava antes e que fabricava instrumentos do nível dos Fodera e dos Alembic, só que usando somente madeiras brasileiras. Nico não gostava da premissa de que o que vinha de fora era melhor somente porque vinha de fora, mas também não gostava do padrão de qualidade dos instrumentos fabricados no Brasil naquela época. Ele dizia que quando viajava com o Wood fazia questão de dizer que usava um instrumento de altíssimo padrão fabricado no Brasil somente com madeiras brasileiras.

Estive com o Nico várias vezes nos meses seguintes. Fazíamos muitos planos envolvendo ele e a Wood e os discutíamos, ele dava sugestões e passava sua experiência. Havia a pretensão de levá-lo e ao Marcelo Mariano para as maiores feiras internacionais da época, a NAMM e a Musikmesse. Infelizmente em janeiro de 2000 a Wood expôs na NAMM mas não foi possível levá-los, mas Nico ficou exultante ao saber que um baixo Wood Master 6, um baixo brasileiro fabricado com madeiras brasileiras, havia sido premiado na feira pela Harmony Central na categoria Best Value, à frente de várias marcas conhecidas e idolatradas no Brasil.

A última vez que falei com Nico foi em 13 de agosto de 2000, data de seu último aniversário, quando entre muitos assuntos tratamos dos detalhes de um projeto ambicioso: o lançamento do modelo assinado Wood Nico Assumpção. Nico queria um baixo exatamente como o Master 6 que ele já tinha só que mais simples, apenas com um botão de volume e com uma ponte um pouco mais larga do que a de 17mm do Master 6 de série. Como comercialmente não seria interessante o baixo vir somente com o botão de volume combinamos que o instrumento teria o pré um bypass e confirmamos o uso da ponte de 6 cordas com 18mm apenas para o seu modelo. Infelizmente Nico soube alguns meses depois que estava com câncer, vindo a falecer em janeiro de 2001. Seu modelo assinado, apesar de ter o projeto definido, nunca chegou a ser lançado. Essa é uma dívida que tenho com seu legado e que espero poder pagar algum dia. Todo 13 de agosto ainda faço questão de prestar minha homenagem ao grande músico e à grande pessoa que foi Nico Assumpção.